Por Alexsandro F. Cardoso da Silva, Maria do Livramento M. Clementino e Lindijane de Souza B. Almeida

Entre os diversos e conhecidos problemas das cidades e das metrópoles brasileiras – sejam estes sociais, econômicos ou de infraestrutura –, é recorrente a necessidade da condução adequada das políticas públicas territoriais. A gestão das cidades, voltada ao desenvolvimento e à superação das desigualdades, constitui motivo de debates, lutas e formulação de alternativas.

A dimensão metropolitana é, sobretudo, mais dramática ainda, pois, embora presentes na realidade institucional desde 1973, as regiões metropolitanas não são entes federados, não possuem poder político e dependem de uma coordenação multiescalar, formada por governos locais, estaduais e até mesmo o Federal. Aqui, abordamos esta dimensão pelo olhar da governança, apontando seus limites, desafios e potencialidades a serviço de uma agenda mais ampla do desenvolvimento territorial.

As principais áreas metropolitanas contêm quase 40% da população brasileira, concentram grande parte da riqueza nacional, mas também sérios e preocupantes indicadores sociais, de precariedades habitacional, ambiental e de serviços públicos. Este contraste, riqueza e pobreza, possui uma lógica que se baseia nas assimetrias sociais construídas – há décadas – que repõem o padrão de acesso desigual da população brasileira aos serviços públicos territoriais, isto é, ao saneamento básico e à mobilidade urbana, e a projetos de moradia social, regularização fundiária e integração regional.

A gestão territorial, partindo da governança, reconhece que esta tarefa não é de atuação exclusiva deste ou daquele ente, mas sim realizada de forma cooperada, coordenada pelo Estado e conduzida por outros atores sociais diversos. Na prática, significa que os chamados “problemas de interesse comum” (a tarifa de ônibus, por exemplo) precisam ser enfrentados com “soluções compartilhadas” e integradas. Falar é fácil, difícil é realizar.

Constituição de 1988 traz políticas sociais

A ênfase na cooperação das políticas públicas está presente desde a Carta Constitucional de 1988, quando o modelo de equilíbrio e complementaridade das políticas reforçou a ideia dos Direitos a serem materializados por uma cesta articulada de projetos e programas. As políticas sociais, inscritas na Constituição de 1988, são exemplos amadurecidos de condução compartilhada, em que pesem as grandes dificuldades práticas (em Saúde e Educação, por exemplo). No entanto, as políticas territoriais ainda carecem de um Sistema de Desenvolvimento Urbano e Regional que articule e potencialize as ações e os objetivos comuns.

A trajetória institucional das regiões metropolitanas no Brasil começa no período não democrático; em 1973 (Lei Complementar n.14) o governo Federal instituiu as oito primeiras regiões metropolitanas, com dois objetivos básicos: elaborar um Plano de Desenvolvimento Integrado e executar programas e ações de interesse comum, unificando serviços básicos. Este período (1973-1983) é marcado pela ênfase tecnocrática na formulação de estruturas de gestão e pouco (ou quase nenhum) espaço de discussão entre os municípios integrantes destas áreas; em contrapartida, a União respondia pelo apoio às unidades estaduais no aporte de investimentos no território. Com a crise financeira enfrentada pelo Brasil, no início dos anos 1980, obras e apoio financeiro para planos e projetos praticamente cessaram, relegando um período de baixa preocupação com o tema metropolitano.

Quando da redemocratização e da nova Carta Constitucional, o tema da gestão metropolitana, apesar de inserido no artigo 25 da Constituição de 1988, foi suplantado pela euforia municipalista sendo a responsabilidade de criação e coordenação destas novas áreas repassada aos governos estaduais. Tal dinâmica de expansão localista apresentou impacto nas novas regiões metropolitanas, com enormes diferenças entre elas. A preferência política estava nos novos municípios, com quase 1,2 mil deles sendo criados em uma década, fragmentando ainda mais o território nacional em muitos municípios pequenos em população e baixa capacidade estatal, isto é, as condições reais de atendimento aos objetivos e metas das políticas públicas.

Dado este quadro, como foram as regiões metropolitanas geridas em seus problemas (graves e complexos) e no interesse comum? De modo geral, a ampliação no número de regiões metropolitanas não significou um tratamento adequado das questões urbanas e regionais, seja pela ausência de um marco normativo próprio (o Estatuto da Metrópole foi criado apenas em 2015), seja pela inexistência de financiamento metropolitano ou, quando este existia, na baixa alocação de recursos em projetos de integração, assim como pela competição entre os municípios pelos poucos recursos advindos de transferências governamentais. Em que pese tal situação, as regiões metropolitanas continuaram sua expansão, com novas áreas e municípios sendo agregados em todo o Brasil ao mesmo tempo em que os serviços urbanos se deterioraram nas metrópoles e grandes cidades metropolizadas.

Cidade de São Paulo. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Estatuto da Metrópole estabelece diretrizes

Em 2015, de modo bastante tardio, o Estatuto da Metrópole (Lei Federal n. 13.089/15) estabeleceu diretrizes ao planejamento, gestão e execução de políticas públicas de interesse comum nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas similares. A “governança interfederativa” é imposição legal e organizada pelos governos estaduais e compartilhada entre os municípios; tal estrutura deve ser formada por instância executiva, colegiado deliberativo, técnicos e um sistema integrado de prestação de contas. Entretanto, o Fundo Metropolitano não foi contemplado.

Financiar os projetos (e as obras) é um incentivo fundamental para maior colaboração entre as unidades municipais. Sem recursos, a efetividade das ações torna-se uma tarefa mais difícil ainda, dependendo de arranjos políticos precários ou instáveis. Saneamento básico, moradia, infraestrutura viária são custosos, de implantação complexa e com tempos longos, exigindo modos de gestão de projetos e alocação técnica difíceis para municípios menores. Daí a governança ser importante para atuar na etapa de implementação. Mas como viabilizar uma “boa governança” metropolitana?

Historicamente, a trajetória dos modelos de governança metropolitana indica caminhos diversos, focadas em “casos de sucesso” ou no controle e prestação de contas e até no estímulo de parcerias público-privadas. Por outro lado, defendemos uma outra concepção de governança, identificada como participativa, de base democrática e estruturada a partir de um planejamento técnico, político e social. Desse modo, a ênfase da governança passa a estar na qualidade das ligações entre Estado e Sociedade, na manutenção de canais participativos e propositivos e não apenas nas coalizões de exercício do poder.

Dito isto, é importante reforçar que se quisermos alcançar resultados diferentes, teremos que atuar também de modo diverso, a partir da articulação de três dimensões: o reforço dos aspectos plurais da participação (diversidade e representatividade territorial), arranjos colaborativos e não antagonistas e capacidade técnica-financeira de implementar os projetos.

No Brasil atual, iniciativas locais têm ido na direção contrária a isso, apostando em retrocessos na gestão do solo urbano baseadas na competição individualizada e menor ênfase em ações cooperadas, titulação fundiária, planos diretores ultraliberais e projetos de mobilidade urbana, entre outros, que apostam mais na “abertura” e “agilidade” e menos na efetividade social.

A necessária refundação da política urbana e metropolitana brasileira passa em conseguirmos formular uma agenda que recomponha a capacidade governativa e busque novos arranjos em torno dos projetos territoriais, tendo como ênfase a reforma urbana e o direito à cidade.

Por fim, destacamos uma estratégia de condução desta diretriz, ou seja, destacar o papel dos projetos de desenvolvimento urbano e metropolitano envolvidos na capacidade de estimular e incentivar as ações de governança de base colaborativa – baseados não apenas em convenções formais, mas sobretudo em ganhos à governança territorial plena. Entendemos que os municípios não disputam um “espaço abstrato”, mas sim lutam por projetos implantados, serviços em funcionamento, devendo os projetos territoriais serem identificados como foco dos interesses entre o poder político e o “território usado”.

Organização estrutural cabe à governança metropolitana

A governança metropolitana de base colaborativa reposiciona nossa capacidade de produzir alternativas, sempre democráticas, com participação de atores sociais atuantes no território. A passagem dá-se entre política e território, ou seja, política como o “poder fazer”, e o território onde tais disputas ganham materialidade e são revelados os interesses e incentivos. Na ausência de um fundo metropolitano, uma cesta de projetos pode se constituir em foco dos interesses. A governança metropolitana deve receber e distribuir as forças atuantes em cada escala em disputa, distribuindo ou concentrando esforços e mobilizações e, ao mesmo tempo, redimensionando as unidades políticas (União, estados e municípios), a partir de um componente tático: os projetos de desenvolvimento urbano no território.

Como consequência dessa estratégia, o arranjo institucional metropolitano é o motor da colaboração, “empurrando” a governança a partir da disputa socioterritorial. Na ausência dos recursos orçamentários vinculados ao tema, as ações se viabilizam pelo gerenciamento de projetos que, em princípio, não são vistos como metropolitanos, mas possuem impacto metropolitano. Uma nova ponte, um trecho de estrada ou rodovia, entre outros, embora implantados em um município, podem ser vistos como recursos metropolitanos. Uma agência ou coordenação estadual deve realizar a tarefa de apontar, organizar e articular tais projetos locais-regionais de modo integrado.

Desse modo, propomos uma nova estratégia de desenvolvimento metropolitano cujo modelo colaborativo não irá, em curto prazo, encerrar o quadro de competição localista – este irá continuar em um primeiro nível; devemos estabelecer um segundo nível de atuação da governança metropolitana, isto é, pela mobilização e atração de interesses que estão presentes nas duas dimensões – política e territorial, tendo o foco a efetividade social e ambiental.

Neste momento de crise democrática, com largos setores sociais questionando as instituições e as práticas participativas, é fundamental reforçar os valores da colaboração e da governança plural e inclusiva, acompanhados de técnicas, estratégias e táticas de gestão voltados a um projeto mais amplo de desenvolvimento territorial dos municípios e regiões metropolitanas. Desafios urgentes para uma transformação urbana socialmente justa e ambientalmente próspera. Mãos à obra.

Alexsandro F. Cardoso da Silva, Maria do Livramento M. Clementino e Lindijane de Souza B. Almeida são professores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e pesquisadores do INCT Observatório das Metrópoles.